10.5.12

O Processo Ritual

Após a discussão sobre o texto de Turner, ficou pungente no grupo o debate sobre as fronteiras e interligamentos entre o que é limiar e o que é liminóide, pois a discussão coletiva trouxe uma certa fluidez destes conceitos quando analisamos algumas práticas. A partir disso, decidimos realizar um processo ritual que fizesse emergir a sensação do limiar nos indivíduos participantes mas que também atingisse, ou ao menos simulasse, a sensação do liminóide.
A capacidade dos rituais de atuarem no inconsciente humano é múltipla e se apresenta como um conjunto de regras e passagens, mas atua sob propósitos diferentes de coordenação da vida humana e de percepção da realidade. As três fases do processo ritual da passagem são separação, transição e reagregação. Onde a primeira fase exige uma suspensão do indivíduo diante da realidade dada, a segunda fase, é onde encontramos o liminal em si, e por fim, o retorno, o reposicionamento deste indivíduo em seu lugar, um novo lugar.
Dessa forma fizemos uma releitura desses três movimentos e resolvemos incidir o pulso humano em sua capacidade, inconsciente, de atuar no próprio imaginário primitivo com o objetivo de encontrar o que está submerso em si.
O processo se inicia com a voz de um mestre. Todos são convidados a se sentar em roda no chão para que possam participar de uma nova fase em suas vidas. Nela, todos terão que escolher novos nomes abstratos para se identificarem nessa nova tribo. Estes, os nomes, serão pronunciados apenas uma vez em suas vidas. Com os olhos fechados estes nomes são gritados por cada um na roda ao toque do mestre. Com a escolha do nome o indivíduo recebe a marca do início: uma listra branca entre os olhos e a testa, um pequeno portal na realidade inventada. O cheiro da química da tinta impregna a sala e assusta aqueles que não se deixaram levar pela curiosidade e permaneceram com os olhos fechados. Ninguém, excepto os integrantes do grupo, sabia o que iria acontecer à partir dali.
O mestre então então começa um canto no qual, só os que tivessem conhecimento em alemão entenderiam. As mãos vão se encontrando ainda sentados em roda. Uma outra melodia conhecida sussurrada se inicia aumentando seu volume gradualmente. Da infância da maioria dos presentes ela fez parte.

Corre, Cotia
Na casa da tia
Corre, Cipó
Na casa da vó
Lencinho na mão
Caiu no chão
Moça bonita do meu coração
Pode olhar? Não
Ninguém vai olhar? Não


Catalização do sentido coletivo. A roda fica em pé. Agora todos somos um.

Com o aumento das vozes a roda começa a girar e a aumentar a sua velocidade. Ninguém abre os olhos, como manda a canção. Isso assusta alguns e deixa a maioria num estado catártico. O cheiro da tinta fresca entre os olhos, as vozes gritantes de cada um e o movimento em circulo de mais de 30 pessoas auxiliam nisso. E quando todos esperavam uma finalização, a roda para. Os integrantes do grupo voltam para os seus lugares, como se nada houvesse acontecido. A força que ali estava catalizada e coordenada pelo grupo fora gradativamente se esvaindo, como uma preparação para o retorno. O grupo cessou. As pessoas também cessaram e bateram palmas. O retorno à aula ocorreu, com todos renovados.

Grupo PerformArte: Agatha Barbosa, Bruna Amaro, Fabio Alex Silva, Isadora Do Val,
Maren Michaelsen, Theodoro Condeixa.

Texto de Referência: TURNER, Victor. “Liminal to liminoid, in play, flow and ritual”. In: From ritual to theatre: the human seriousness of play (New York: PAJ, 1982), p.20-60.

Data da postagem: 10.05.2012

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