26.4.12

TS2 - Aonde está a Performance?

Texto da aula: Schchener, Richard. “Pontos de contato entre o pensamento antropológico e teatral”. Trad. Ana Letícia Fiori. Cadernos de campo, 20, 2011.
Integrantes presentes: Maíra Andrade, Marília Persoli

Aonde está a Performance?
Em todas as performances rituais independentemente do contexto cultural em que se realizem uma mesma ocorrência pode ser flagrada: o momento liminal ou de ambivalência no qual o performance não pode dizer quem ele realmente é. Numa pendulação constante entre o “não eu” e o “não não eu” evidencia-se talvez a impossibilidade de uma transformação completa da identidade do homem  à identidade de sua “personagem”.
Nosso TS, baseado no texto de Schechner, era dividido em duas partes. A primeira um momento de aquecimento para a performance e a segunda a performance propriamente dita.  Porém, essas duas etapas tinham seu sentido e espaço deslocados. O aquecimento, que usualmente tem seu lugar nos bastidores do teatro, foi feito não só na frente de um público, mas num dos lócus de maior destaque e também de maior concentração de pessoas do prédio do nosso curso. Uma grande roda foi formada no meio do “saguão das sociais” e uma série de gestos e movimentos - empregados normalmente com o intuito de despertar o ator para o “entrar em cena” - foram propostos pelas integrantes do grupo como exercício aos demais alunos da disciplina e também aos agregados, que estavam ou passavam por ali, e que aos poucos iam chegando na brincadeira.
Terminado o “aquecimento público”, o segundo momento foi de retorno à sala de aula, o que acabou por afastar os ocasionais participantes do evento. Num espaço privado - pensando comparativamente com a primeira etapa da performance – sentados novamente em nossas carteiras, usando novamente nossas vozes, corpos e identidades cotidianas, propusemos a leitura coletiva de uma poesia:    
Impressões do Teatro
(de Wislawa Szymborska, em tradução de Regina Przybycien)
Para mim, o mais importante na tragédia é o sexto ato:
o ressuscitar dos mortos das cenas de batalha,
o ajeitar das perucas  e dos trajes,
a faca arrancada do peito,
a corda tirada do pescoço,
o perfilar-se entre os vivos
de frente para o público.
As reverências individuais e coletivas:
a mão pálida sobre o peito ferido,
as mesuras da suicida
o acenar da cabeça cortada.
As reverências em pares:
a fúria dá o braço à brandura,
a vítima lança um olhar doce ao carrasco,
o rebelde caminha sem rancor ao lado do tirano.
O pisar na eternidade com a ponta da botina dourada.
A moral varrida com a aba do chapéu.
A incorrigível disposição de amanhã começar de novo.
A entrada em fileira dos que morreram muito antes,
nos atos três e quatro, ou nos entreatos.
A volta milagrosa dos que sumiram sem vestígios.
Pensar que, pacientes, esperavam nos bastidores
sem tirar os trajes,
sem remover a maquiagem,
me comove mais que as tiradas da tragédia.
Mas o mais sublime é o baixar da cortina
e o que ainda se avista pela fresta:
aqui uma mão se estende para pegar as flores,
acolá outra apanha a espada caída.
Por fim uma terceira mão, invisível,
cumpre o seu dever:
me aperta a garganta.

Buscava-se com essa leitura, a instauração de um momento de comunhão mais íntimo entre os participantes e também livre da preocupação de qualquer formalização estética - como é comum na encenação teatral.
Talvez o que mais chame atenção em ambos os momentos construídos sejam os momentos de ruídos, onde as regras dos espaços – público ou privado – são quebradas e os participantes experienciam uma espécie de suspensão do tempo.
Poder rebolar ou emitir sons vocais que nada tem haver com nosso sistema linguístico lógico num lugar público onde geralmente só enunciados articulados tem valor é o tipo de experiência na qual os potenciais criativos e transformadores  da ação humana são liberados. São momentos de iluminação do cotidiano. Assim também fala a poetisa polonesa Wislawa Szymborska, mas partindo inversamente de uma reflexão sobre o teatro: quando as regras pré-estabelecidas do jogo são originalmente a do espaço da encenação os momentos mágicos e extraordinários são justamente aqueles dos bastidores, os olhares comedidos entre os atores nas trocas de cena, os gestos tímidos – ou não – de agradecimento ao público, o reencontro afetuoso entre os carrascos e as vítimas após a peça, etc.
A maior questão talvez que o grupo tenha tentado trazer com o seminário é que independente de onde se localize a “verdadeira” performance , - no treinamento, no ensaio, no aquecimento, na apresentação, no esfriamento, ou no balanço dela -, são aos ruídos desses espaços que devemos nos ater, às potencialidades quase imperceptíveis, é nesse fragmentos que podemos encontrar o germe latente da criação ( no sentido mais amplo em que esta possa ser pensada).  

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