O Teatro e Seu Duplo
A Radionovela e o Gesto
Nesse TS procuramos representar duas situações semelhantes com formas completamente diferentes. Tratava-se da questão da separação conjugal.
Inicialmente, dois integrantes do grupo, escondidos, interpretaram como em uma radionovela a cena de um casal se separando. Utilizaram, para isso, todos os clichês típicos do gênero: um propaganda, sonoplastia, afetação na voz, nomes estereotipados dos personagens e enredo exagerado (o homem que troca a mulher pela irmã oculta da mesma). Após essa cena, que foi acompanhada por alguns risos da plateia, passamos para a segunda parte.
Um homem e uma mulher estão sentados, virados de frente, mas com as cadeiras deslocadas um pouco para o lado de modo que não ficassem perfeitamente de frente um para outro. Eles estão de mãos dadas e olhando fixamente um para o outro. De repente, uma terceira pessoa, uma mulher, se aproxima e passa pelo casal. Imediatamente, o homem acompanha o movimento dessa mulher, se levanta e vai em direção a ela. Nesse momento, a parceira antiga, transtornada, se levanta bruscamente, derrubando a cadeira. O homem, assustado e como se acordasse de um transe, volta, arruma a cadeira, ajuda a mulher a sentar-se e volta para a posição original. Mais uma vez a terceira, a outra mulher passa, e dessa vez, leva definitivamente o homem, mesmo com a resistência da primeira mulher em segurar sua mão. Durante a maior parte dessa encenação, a plateia manteve maior silêncio e havia maior tensão (quebrado apenas com a queda da cadeira, que muitos imaginaram acidental).
Nossa intenção foi contrastar e exemplificar a crítica que Artaud faz ao teatro tradicional em que predominam as palavras e no qual essa literalidade tem papel central. Com a cena muda, procuramos representar, por meio de gestos e alguma emoção, uma situação de separação.
A radionovela, que mostrava uma situação de separação, foi rapidamente entendida e assimilada pela plateia, que riu com facilidade; entretanto, a maior tensão da cena muda nos pareceu evidenciar uma maior apreensão da essência do sentido de separação. A radionovela apenas contextualizou uma separação de maneira jocosa, utilizando apenas as palavras e utilizando um gênero conhecido; dessa forma, favoreceu o afastamento da experiência concreta da plateia com relação à temática apresentada. Já a cena muda, por não apresentar nomes, histórias, situações específicas, por se constituir apenas de movimento carregado de sentido, conseguiu concentrar uma carga maior de interpretações e significados, permitindo uma maior identificação real com a experiência da separação.
Acreditamos ter expressado cenicamente uma parte importante dos conceitos que Artaud desenvolve em “O teatro e seu duplo”, ao mostrar como a essência da atividade teatral ultrapassa o texto literário e o quanto gestos, o espaço utilizado e o ritmo da cena constituem mais intrinsecamente essa essência.
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