14.5.12

Defunteando com Geertz

Grupo 5: Maus Tratos, Bons Trapos (4º grupo a apresentar em 7/5/12)
Marcadores: Grupo 5, Maus Tratos Bons Trapos, ts6, tsnoturno, Geertz
Ana Carolina Candido, Érica Gibaja, Felipe Munhoz M. Fernandes, Heloisa Cardani, Isadora Biella, Pedro Paulo da Silva e Wagner Veillard.
Texto da aula: Clifford Geertz. “Afirmação política: espetáculo e cerimônia”, capítulo IV de Negara: Estado Teatro no século XIX.

O poeta e o vento
O poeta não faz versos,
apenas sopra
todas tristezas.

Julio Cesar (Gurupá e poemas do vento)

Seguindo a nova dinâmica de funcionamento das aulas, tivemos cerca de uma hora para aprofundar a discussão sobre o texto nos grupos, depois houve apresentação de todos, com reflexão da turma toda sobre os impactos de cada um.
Nosso grupo iniciou a discussão já envolvido pelo tema da morte, tão minuciosamente analisada pelo autor em seu trabalho antropológico em Bali, donde surgiram reflexões sobre como a nossa própria sociedade ritualiza este evento tão fundamental à constituição de qualquer corpo social: por que tanto chorar com a morte de alguém que já sabíamos iria embora? Se todos morremos e nos guarda após a morte o fim de nossas dores de vida, por que os velórios são envoltos de tamanha tristeza?
Eis que surge a memória de sociedades em que a morte é celebrada com festa e alegria, onde há ciência de que o morto “partiu desta para uma melhor” e que isso seria claramente motivo para uma grande celebração. É evidente que não é apenas o ritual fúnebre o que caracteriza esta ou aquela sociedade, mas pode-se afirmar que todas elas imprimem neste ritual uma certa especificidade advinda de sua própria noção de mundo, a partir de sua própria cosmologia.
Uma questão bastante relevante que apareceu no grupo ainda durante a discussão foi sobre o entendimento do antropólogo em relação aos sentimentos individuais das pessoas engajadas neste processo ritual tão marcante - como o analisado por Geertz ao citar o suicídio das concubinas do rei em fogueira ritual. Será que elas sofrem ao ver-se caminhando em direção à morte certa? O que diz o poeta quando escreve nas entrelinhas tudo aquilo que seria impossível dizer de outra maneira? Não se pode dizer completamente tudo aquilo que se pensa ou que se sente, como também não se pode entender por inteiro aquilo que quis-se dizer quando se disse. Eis a riqueza da metáfora e a pobreza da hermenêutica. Portanto, concluímos que seria vã a interrogação sobre um posicionamento individual (em termos de sofrimento, de desejo ou de ação individual) no ponto alto de um ritual coletivo onde não há indivíduos propriamente concebidos, mas um corpo uníssono com forças de atração e repulsam que se engendram pela massa e para a massa.
A cena que o grupo apresentou compôs-se de quatro momentos: de início, uma pessoa morta sobre a mesa segura uma vela, prostrada entre outras, o que simboliza o entendimento cosmológico de que a alma, agora desprendida de seu corpo, a qual tem lugar na religião cristã como sendo a última luz que o espírito do morto carregará até encontrar seu caminho – seja lá qual for. Num segundo momento, os familiares e amigos do defunto se aproximam demonstrando tamanha tristeza pelo fim daquela vida tão próxima, lamentando seu destino inescapável, sentados, silenciosos, numa sala pequena e silenciosa, entre lágrimas, gemidos e peso da morte. De outro lado, há também pessoas no hall do velório, menos tristes pela morte do que alegres por um reencontro inesperado ali mesmo, no velório. Estas pessoas conversam distraidamente, tiram fotos com finalidades posteriores e, de um modo geral, criam uma oposição circunstancial entre o silêncio e o som, a luz e o escuro, a morte e a vida, a partida e a chegada, o interesse por isso e/ou por aquilo (desinteresse?).
Nesta circunstância, a personagem da morta, agora em forma de alma penada, levanta-se de seu esquife e perambula entre as outras personagens do velório,  exprimindo seus sentimentos (como em vida) por aquelas que agora não mais podem ouvi-la, ou vê-la ou tocá-la. Percebe-se aí que havia ali pessoas com quem a personagem da morta não lhe aprazia; outras que nem mesmo pensava que poderia aparecer em seu velório, o que acaba lhe causando espanto e alegria. Uma jaqueta foi deixada em cima da mesa após o levante da alma pena, a qual teve a finalidade de representar o corpo desprovido de sua alma e de seu espírito, e é sobre isto que os presentes continuam a se lamentar, uns mais, outros menos, enquanto a alma falecida se vai embora. Os presentes também se vão e o que resta de morto é apenas um corpo vazio.
O que podemos salientar de mais interessante, do ponto de vista antropológico – mas não só – é a chamada “crise pós-modernidade” na antropologia, em que, segundo esta perspectiva, não poderíamos considerar a feitura da antropologia, pois o sujeito pesquisador, nunca conseguiria “ser o outro”, que sua carga cultural será sempre carregada até o campo (a etnografia) como um fardo, a qual, sem ela, por outro lado, nada se faria. É pelo provérbio italiano “Traduttore traditore”, ou seja, o antropólogo não passaria de um traidor da cultura do outro, pois, segundo a metáfora da cultura como poesia, elas (tanto a poesia como a cultura) nunca poderão ser traduzidas sem que se perca, se “sacrifique”, inúmeros significados. O que implicaria, segundo tais concepções pós-modernas – se é que podemos dizer assim – significam a “invenção da cultura”, lembrando Roy Wagner; ou mesmo a cultura como ficção, lembrando as radicalidades do pensamento de Geertz. Nesse sentido, o que nos pareceu como saída deste beco, em certa altura de nossa discussão em sala, decorre de que, como antropólogo tradutor, o que é necessário que se faça no trabalho antropológico como um todo, refere-se às mensagens culturais e como recriá-las e transmiti-las de forma suficientemente reconhecível tanto para um (nós) como para o outro (nativo).

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